- Mamãe, quem você ama mais: Mússia ou eu? Não, não diga que é a mesma coisa, mesma coisa não existe, alguém é sempre um pouqi-inho mais, o outro não menos, mas este um pouqui-inho mais! Juro que eu não vou me ofender (com um olhar vitorioso para mim), - se é Mússia.
Tudo, além do olhar, era a mais pura hipocrisia, pois e ela, e a mãe, e, o mais importante, eu, sabíamos perfeitamente – quem, e ela somente esperava a mortal para mim palavra, que eu, ruborizada, esperava com não menos tensão, mesmo sabendo que não chegaria a ouvir.
- Quem – mais? Mas por que necessariamente alguém mais? - com visível confusão (e visivelmente protelando) – a mãe. - Como é que eu posso amar mais você ou Mússia, já que vocês duas são minhas filhas. Pois isso seria injusto...
- Sim, - hesitante e decepcionada Ássia, engolindo já o meu olhar vitorioso. - Mas mesmo assim – quem? Então, um pouqui-inho, um pinguinho, migalhinha, pontinho – mais?
- Era uma vez uma mãe, e ela tinha duas filhas...
- Mússia e eu! - interrompeu Ássia rapidamente. - Mússia tocava melhor o piano e comia melhor, mas a Ássia... Mas Ássia, recortaram-lhe o apêndice, e ela por pouco não morreu... E ela, como a mamãe, sabia enrolar a língua num canudinho, e Mússia não sabia, e ela era de todo (com dificuldade e com orgulho) uma mi-ni-a-tu-ra...
- Sim, - confirmou a mãe, obviamente não tendo ouvido e continuando a inventar o próprio conto de fadas, ou, pode ser, pensando em algo totalmente diferente, sobre os filhos homens, por exemplo, - duas filhas, a mais velha e a mais nova.
- Mas a mais velha logo envelheceu, e a mais nova era sempre jovem, rica e depois se casou com o general, Excelência, ou com o fotógrafo Fisher, - continuava Ássia com excitação, - e a mais velha com o Ossip da casa de repouso, que tinha um braço seco, porque ele matou o irmão com um pepino. Sim, mamãe?
- Sim, - confirmou a mãe.
- E a mais nova depois ainda casou com o príncipe e o conde, e ela tinha quatro cavalos: Açúcar, Pepininho e Menino – um ruivo, outro branco, outro preto. E a mais velha – nesse tempo – envelheceu tanto, ficou tão suja e pobre, que Ossip expulsou ela da casa de repouso: pegou um pau e expulsou. E ela ficou vivendo no lixão, e comeu tanto lixão que virou um cachorro amarelo, e então uma vez a mais nova está andando de landeau e vê: tão pobre, asqueroso, amarelo cachorro está comendo um osso vazio no lixão, e – ela era muito, muito boa! - ficou com pena dele: "Entre, cachorrinho, na carruagem!", e aquele (com um olhar odioso para mim) – logo se enfiou – e os cavalos começaram a andar. Mas de repente a condessa olhou para o cachorro e viu sem querer que os olhos dele não são caninos, mas assim asquerosos, verdes, velhos, especiais – e de repente reconheceu que essa era a sua mais velha, velha irmã, e de uma vez jogou ela pra fora da carruagem – e aquela se quebrou em quatro pedaços em pedacinhos!
- Sim, - novamente confirmou a mãe. - Elas não tinham pai, somente a mãe.
- E o pai morreu – de diabete? Porque comia açúcar demais, e também confeitos em geral, diferentes bolos, cremes, sorvetes, chocolates, balas e esses bombons prateados com pinçazinhas, sim, mamãe? Apesar de Zahárin ter lhe proibido, porque tudo isso vai levar-vos ao túmulo!
- O que o Zahárin tem a ver, - repentinamente voltou a si a mãe, - isso foi há muito tempo, quando ainda não havia nenhum Zahárin, e nem médicos de modo geral.
- E o apêndice existia? A-pen-di-ci-te? Assim pequeno, pequeno intestino, totalmente cega e surda, e nela cai tudo: diferentes ossos, e as espinhas de peixe, e os caroços de cereja também, e os caroços da compota, e todas as unhas... Mamãe, e eu mesma vi como a Mússia comia o lápis! Sim, sim, ela não tinha um canivetinho, e ela afiava com os dentes, e depois engolia, ficava afiando e engolindo, e o lápis ficou muito pequeno, do jeito que depois ela até não podia desenhar e por isso me beliscou terrivelmente!
- Mentira! - rouquejei eu de indignação e surpresa. - Eu te belisquei, porque você na minha frente roia o meu lápis, com "Mússia" em nanquim.
- Ma-amãe! - choramingou Ássia, mas, pela pouca lucratividade do negócio, no mesmo instante mudou o percurso. - E quando o homem disse sim, e na boca – não, então o que é que ele disse? Ele então disse dois, sim, mamãe? Ele disse pela metade? Mas se nesse instante ele morrer, então aonde é que ele vai?
- Quem vai aonde? - perguntou a mãe.
- Para o inferno ou para o paraíso? O homem. Mentido pela metade. Para o paraíso?
- Hum... - pensou a mãe. - Aqui – não sei. Os católicos têm para isso o purgatório.
- Eu sei! - Ássia, comemorando. - O Dick do purgante, que deu de presente ao pequeno Lorde o estojo vermelho com ferraduras e cabeças de cavalo.
- E então, quando aquele bandido exigiu que ela escolhesse, ela, abraçando as duas de uma vez, disse...
- Mamãe! – começou a berrar Ássia. – Eu não sei nadinha do bandido!
- E eu sei! - eu, como um raio. - O bandido, ele é o inimigo dessa dama, essa mamãe que tinha duas filhas. E, é claro, ele matou o pai delas. E depois, porque ele era muito mau, quis também matar uma das meninas, primeiro as duas...
- Ma-amãe! Como a Mússia se atreve a contar o seu conto de fadas?
- Primeiro as duas, mas Deus lhe proibiu, então – uma...
- E eu sei qual! - Ássia.
- Não sabe, porque ele mesmo não sabia, porque para ele era a mesma coisa - qual, e ele só queria fazer um desgosto àquela dama – porque ela não se casou com ele. Sim, mamãe?
- Pode ser, - disse a mãe, prestando atenção, - mas isso nem eu mesma sabia.
- Porque ele estava apaixonado por ela! - eu estava comemorando, e já sem me conter: - E ele preferia ver ela no túmulo, do que...
- Que paixões africanas! - disse a mãe. - De onde você tirou isso?
- De Pushkin. Mas eu fui entregue ao outro, mas serei fiel a ele eternamente. (E depois de uma breve verificação.) Não, parece que é dos "Ciganos". (*)
- E para mim, do "Courier", que eu proibi você de ler.
- Não, mamãe, no "Courier" - é totalmente diferente. No "Courier" havia elfos, ou melhor sílfides, e eles giravam pela campina, e um rapaz, que pernoitava no monte de feno porque o pai dele o amaldiçoou, de repente se apaixonou pela sílfide mais importante, porque ela se parecia com a irmã de leite, que se afogou.
- Mamãe, o que é irmã de leite? - perguntou a amansada, esmagada pela minha superioridade Ássia.
- Filha da ama de leite.
- E eu tenho uma irmã de leite?
Mãe, para mim:
- Aqui.
- Eca! - disse Ássia.
- E Ássia, mamãe, não é a minha, verdade, mamãe?
- Não é a sua, - confirmou a mãe. - Porque a Ássia foi amamentada por mim, e você – pela ama de leite. A sua irmã de leite – a filha da sua ama de leite. Só que a sua ama de leite tinha um menino. Ela era uma cigana e muito má e terrivelmente avara, tão avara que, quando o vovó deu uma vez para ela brincos folheados a ouro em vez de uns de ouro, ela os arrancou das orelhas e pisoteou tanto contra os ladrilhos que depois não conseguiram achar nada.
- E aquelas meninas, que foram assassinadas depois, quantas amas de leite tinham? - perguntou Ássia.
- Nenhuma, - respondeu a mãe, - a mãe delas as amamentava ela mesma, por isso, talvez, é que amava tanto e não conseguia escolher nenhuma e disse para aquele bandido: "Eu não posso escolher, e não escolherei nunca. Mate nos todas de uma vez". - "Não, - disse o bandido, - eu quero, que você sofra por muito tempo, e não matarei as duas, para que você sofra eternamente, por essa – ser a escolhida, e aquela... Então, qual?" - "Não, - disse a mãe. - Antes você morrerá, aqui na minha frente, de velhice ou de ódio, do que eu – eu mesma condenarei uma das minhas filhas à morte".
- E da qual, mamãe, ela mesmo assim tinha mais pena? - não agüentou Ássia. - Porque uma era doentia... Comia mal, e não comia quibe, e não comia feijão, e por causa de bacalhau ela até ficava enjoada...
- Sim! E quando lhe davam caviar, ela besuntava com ele embaixo da toalha, e cuspia a savelha mastigada na mão de Augusta Ivanovna... E de todo em baixo da cadeira dela havia sempre um lixão, - eu, com ódio.
- Mas para que ela não morresse acidentalmente de fome, a mamãe sempre se ajoelhava na frente dela e dizia: "Mas pelo amorrr de Deus, mais um pedacinho: abre, minha alma, a boquinha, eu te dou esse pedacinho!" Significa que a mamãe a amava mais!
- Possivelmente... - disse a mãe honestamente, - isto é, tinha mais pena, nem que seja por ter a amamentado tão mal.
- Mamãe, não esqueça sobre a apendicite! - preocupada, Ássia. - Porque a mais nova, quando lhe bateram os quatro anos, - então ela se bateu contra uma pedra, e fez-se nela uma apendicite – e ela, provavelmente, morreria – mas de noite veio o doutor Iarho – de Moscou – e até sem gorro e guarda-chuva, - e estava chovendo até granizo! - e ele estava completamente molhado. Isso – verdade – mamãe, um santo homem?
- Santo, - disse a mãe com convicção, - mais santo eu nunca encontrei. E junto a isso – completamente doente, e poderia então ter se resfriado até a morte, pois que tempestade! E ainda, pobrezinho, então caiu daquele jeito bem na frente da casa...
- Mamãe! E porque ele não ficou com apêndice? Porque ele é médico – sim? E quando um médico fica doente – quem vai salvar ele? Simplesmente – Deus?
- Sempre – Deus. E então, você –Deus. Por meio do doutror Iarho.
- Mamãe, - eu, cansada de ouvir sobre Ássia, - e porque, se ele é santo, ele sempre diz em vez de barriga – pança? "Então, Mússia, a pança tá doendo de novo?" Isso não é não decente?
- Não habitual, - disse a mãe. - Possivelmente, o ensinaram assim na infância?.. Claro, é estranho. Mas com um coração desses, tudo é permitido. Não só isso é permitido. E eu sempre, enquanto eu mesma estiver viva, vou colocar uma vela pela saúde dele.
- Mamãe, e aquelas meninas, ficaram mesmo por matar? - depois de um longo silêncio geral perguntou Ássia. - Ou ele simplesmente se entediou, porque ela ficou pensando por tanto tempo, e ele foi assim - embora?
- Não foi, - disse a mãe. Não foi, mas disse a ela o seguinte: "Vamos acender na igreja duas velas, uma será..."
- Mússia! E a outra - Ássia!
- Não, não há nomes nesse conto de fadas. "...A esquerda será a mais velha, e a direita – a mais nova. A que queimar primeiro, aquela é que..." Pois então. Pegaram duas velas, perfeitamente iguais...
- Mamãe! Não existem iguais. Uma era, mesmo assim, um pouqui-inho, uma migalhi-inha...
- Não, Ássia, - já com severidade disse a mãe, - eu te digo, perfeitamente iguais. "Acenda você mesma", - disse o bandido. A mãe, depois de se benzer, acendeu. E as velas começaram a queimar – iguais, e até mesmo como se não diminuíssem. Já anoiteceu, e as velas ainda queimam: uma não menor nem maior que a outra, duas velas – como dois gêmeos. Só Deus sabe, quanto tempo ainda vão queimar. Então o bandido disse: "Vai para casa, e eu vou para a minha, e de manhã, assim que o sol nascer, nos dois viremos aqui. Quem chegar primeiro – vai esperar o outro".
Saíram e trancaram a porta com um fecho enorme, e colocaram a chave sob uma pedra.
- E o bandido, mamãe, é claro, chegou correndo antes? - Ássia.
- Espere! Amanheceu, nasceu o sol. E então, um não mais cedo que o outro, um não mais tarde que o outro – de dois lados diferentes – o bandido da esquerda, a mãe da direita – porque da igreja saíam duas estradas perfeitamente iguais, como duas mãos, como duas asas – e então por estradas diferentes, de dois lados diferentes, no mesmo passo, no mesmo segundo à igreja – e na frente da igreja – nasceu o sol! - o bandido e a mãe. Abrem o fecho, entram na igreja, e - ...
- Uma vela queimou toda: pre-eta! E a outra ainda um pouqui-inho... - preocupada, Ássia.
- As duas pretas, - sobriamente, eu. - Porque, é claro, durante a noite as duas queimaram, mas como ninguém viu - então começaram tudo de novo.
- Não. As duas velas queimavam iguais, uma não menos que a outra, uma não maior que a outra, sem queimar nem um pouco, sem queimar nem um tantinho... Como botaram ontem – continuaram assim mesmo. E a mãe ficou lá, e o bandido ficou lá, e quanto eles ficaram assim – não se sabe, mas quando ela voltou a si – o bandido não estava – como e para onde foi – não se sabe. Não o viram mais também no castelo dos bandidos. Somente depois de alguns anos, entre o povo correu um boato sobre um certo santo eremita, que vivia numa caverna, e...
- Mamãe! Era o bandido! - gritei eu. - Isso sempre acontece assim. Ele, claro, virou o melhor na terra, depois de Deus! Só que é uma pena.
- Do que – pena? - perguntou a mãe.
- Do bandido! Porque quando ele, assim, como um cão espancado, - se arrastou – sem nada! - ela, é claro... se fosse eu, claro, me apaixonaria terrivelmente por ele: levaria ele para casa, e depois certamente o tomaria por esposa.
- Por esposo, - corrigiu a mãe. - Tomam por esposa - homens.
- Porque ela o amava também pela frente, só que ela já estava casada, como Tatiana. (**)
- Mas você se esqueceu completamente de que ele matou o marido dela, - disse a mãe, perplexa, - será que é possível se casar com o assassino do pai dos próprios filhos...
- Não, - disse eu. - Ela então ficaria com muito medo à noite, porque aquele então ficaria aparecendo para ela com a cabeça cortada. E começariam uns barulhos. E pode ser que as crianças adoeceriam... Então, mamãe, eu mesma me transformaria num eremita e ficaria morando na sarjeta...
- Mas e as crianças? - perguntou a mãe, bem profunda. - Será que pode abandonar os filhos assim?
- Bem, então, mamãe, eu começaria a escrever versos no caderno dele.
(*) Mússia cita a Tatiana de “Eugene Onegin”, de Pushkin: “Mas eu fui entregue ao outro, e serei fiel a ele eternamente”. “Ciganos” é um outro poema deste autor.
(**) Outra alusão à Tatiana. Era uma jovem que havia se apaixonado por um rapaz e declarado o seu amor a ele (um ato muito ousado para a época), mas foi repudiada. Alguns anos mais tarde, eles se reencontram, e ele se apaixona por ela. Mas ela já está casada, e recusa.
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