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sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Jigokuhen - Ryūnosuke Akutagawa

... A mente criadora, uma faísca casual na carruagem dos mundos e tempos, é capaz de evocar do infinito e disforme caos algo denominado beleza. Sendo transitória, ela por algum motivo atrai os homens, tal como a chama atrai as mariposas - como se nela houvesse a marca da imortalidade e da eternidade além do tempo e do local. Não é mais que uma ilusão - a beleza fenece tal como o restante. Mas por isso é mais surpreendente ainda o seu poder de vida e de morte...
... Uma dama da corte do senhor de Horikawa assim conta a história daquelas magníficas pinturas...
... Yoshihide, pintor na corte do nobre senhor de Horikawa, amava no mundo todo somente a arte e a sua jovem filha, bela e gentil. Era um grande mestre, conhecedor dos mistérios da beleza, e capaz de encarnar em cores qualquer alegria e qualquer tristeza, e um velhote repugnante, ranzinza e malvado. Dizia-se que torturava os alunos e os servos para dar mais realismo às suas telas.
... Na corte, havia um macaquinho, que fora chamado de Yoshihide, em escárnio, pois o mestre muitas vezes era comparado a um macaco, por suas deformidades e por seu caráter. Um dia, o macaco roubou algumas laranjas, e a jovem protegeu-o do castigo, pois era somente um animal, e ainda levava o nome do seu pai. Ao ouvir sobre esta história, senhor de Horikawa admirou imensamente a bondade da jovem, o respeito e o amor filial desta.
... A filha de Yoshihide recebeu muitas honras na corte, sem contudo despertar inveja, pois era gentil e meiga com todos. O pai, porém, não estava contente e desejava que a filha se afastasse das tentações da corte. E, ao trazer uma pintura que havia sido encomendada pelo senhor de Horikawa, pediu que este a dispensasse. Mas este recusou, temendo que o amor possessivo do pai prejudique a jovem: corriam boatos de que este chegava a ponto de contratar bandidos para matarem aqueles que se atreviam a cortejá-la.
... O senhor de Horikawa ordenou que Yoshihide pintasse em seda todos os tormentos do inferno. No início, o trabalho ia bem: o pintor havia já desenhado as chamas do inferno, e os pecadores atormentados, e os demônios, que o perseguiam em sonhos. Faltava algo, porém.
... Dois – não, três pares de olhos seguindo um vulto feminino. Sussurrando as mesmas palavras...
... E a sua filha definhava, talvez triste por causa do pai, ou quem sabe por causa de alguma outra pessoa. Um dia, uma dama estava passeando a noite e ouviu vozes. Ao abrir a porta, encontrou a filha de Yoshihide, com as roupas em desordem, e ouviu passos de alguém em fuga. Porém a jovem jamais confessou quem tentou molestá-la.
... Yoshihide pediu um imenso favor ao senhor de Horikawa. Não estava conseguindo desenhar a carruagem em chamas, com uma mulher em seu interior, que, segundo seu plano, deveria estar no centro da tela. Precisava de um modelo. Talvez o senhor poderia atear fogo a alguma carruagem... E talvez, ele não queria pedir demais, mas quem sabe isso seria possível... O senhor termina o pensamento do pintor, com uma risada. Desejando dar uma lição no velho malvado, que por causa de uma tela pretendia matar de forma cruel uma mulher inocente, ordenou queimar, para o pintor, uma carruagem junto com a sua amada filha...
... A tela foi terminada.
"A vida humana não vale nem um único verso de Baudelaire".
... E isso também é beleza, e nisso também há beleza, não tenha medo, tudo vai passar... Tudo passa.
... Um monge diz - são verdadeiramente as chamas do inferno. E o nobre sorri, e confirma, e diz que o velho pintor está certo, e mais uma vez certo, isso tem sentido. Árvore de facas e chamas infernais, mas enquanto for possível desenhá-los assim, isso tem sentido. E o pintor, o pintor enforca-se.

Do outro lado do mundo, uma jovem cigana dança em frente a uma imensa catedral. Dois – não, três pares de olhos seguem-na.

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