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quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Bem junto ao Mar III - Anna Akhmatova

Ficou mais bondoso o mar escuro,
As andorinhas pros ninhos voltaram,
E de papoulas fez-se vermelha a terra,
E a praia ficou novamente alegre.
O verão chegou em uma só noite, -
Assim nem vimos a primavera.
E eu perdi de todo o medo
De que o destino novo escape.
De Ramos no sábado, já de noite,
Ao voltar da igreja, à irmã eu disse:
“Tome o meu rosário, a minha vela,
A nossa Bíblia, vou deixá-la em casa.
Daqui a sete dias é a Páscoa,
Há muito é tempo de eu aprontar-me, -
O príncipe já está a caminho, decerto,
Por mar ele vem me buscar”.
Calada, a irmã admirava as palavras,
Só suspirava, lembrava, decerto,
O que a cigana disse ao lado da gruta.
“Um colar ele vai lhe trazer
E anéis com pedras azuis?”

“Não, - eu disse, - nos não sabemos,
Qual o presente que ele prepara”.

Eu e ela, tínhamos mesma idade,
E tanto uma com a outra se parecia,
Que, em pequenas, só nos distinguia
Nossa mãe pelos nossos sinais de nascença.
Desde a infância a minha irmã não andava,
Ficava deitada igual um boneco de cera;
Com ninguém ela se irritava,
E só bordava uma imagem sagrada,
Até dormindo pensava só no trabalho;
Eu ouvia que ela sussurrava:
“Será azul o manto da Virgem...
Deus, para o João, o apóstolo,
Pérolas para lágrimas eu não tenho...”

O quintal se cobriu de anserina e menta,
Um burro beliscava a grama na porta,
E numa longa cadeira de palha
Lena estava, de braços abertos,
Com saudade do seu trabalho, -
Num dia de Páscoa, trabalhar é pecado.
E nos trazia o vento salgado
Os sinos da Páscoa de Quersones.
Cada ribombo no coração ressonava,
Corria nas veias no meio do sangue.
“Leninha, - para a irmã eu disse, -
Agora eu vou para a praia.
Se vier procurar-me o príncipe,
Você lhe explique o meu caminho.
Que ele alcance-me na estepe:
Ir para o mar desejo eu hoje”.
“E a canção, onde é que a ouviu,
Aquela que vai atrair o seu príncipe? -
Entreabrindo os olhos, a irmã perguntava. -
Você quase nunca vai à cidade,
E aqui não se cantam canções daquelas”.
Me abaixando, até a orelha,
Eu sussurrei: “Você sabe, Leninha,
Pois inventei a canção eu mesma,
No mundo não há melhor do que essa”.
Não deu-me crédito e longamente,
Bem longamente ficou, reprovando, calada.

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