HA CEBEP | NA SEVER | PARA O NORTE | TO THE NORTH

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Bem junto ao Mar IV - Anna Akhmatova

Enseadas cortavam a costa baixa,
Todas as velas fugiram ao mar,
E eu secava a trança salgada
À uma milha da terra, na pedra chata.
A mim nadava o peixe verde,
A mim voava gaivota branca,
E eu era audaz, malvada e alegre
E nem sabia, que isso era – ventura.
Na areia enterrava o vestido amarelo,
Que o vento não leve, não roube o mendigo,
E ia nadando bem longe no mar,
Nas negras, quentes ondas boiava.
Quando voltava, o farol do leste
Brilhava já com sua luz mutável,
E o monge no portão de Quersones dizia
Para mim: “Porque anda de noite?”

Sabiam vizinhos – eu farejo a água,
E, se cavavam um poço novo,
Chamavam-me para achar o lugar
E para não trabalharem à toa.
Eu recolhia as balas francesas,
Como se colhe cogumelos e airela,
Trazia para casa na barra da saia
Lascas com ferrugem das bombas pesadas.
E, zangada, à irmã dizia:
“Quando eu me tornar rainha,
Construirei seis encouraçados
E sei barcas canhoneiras,
Para que guardem as minhas enseadas
Até o próprio Fiolento”.
E de noite, na frente da cama,
Rezava pro ícone escurecido,
Que o granizo não estrague as cerejas,
Que muito peixe grande se pesque
E que o mendigo astuto
Não repare no vestido amarelo.

Com pescadores eu mantinha amizade.
Sempre com eles durante a chuva
Ficava sob o barco virado.
Ouvia sobre o mar, decorava,
Crendo em segredo em cada palavra.
Eles muito a mim se apegaram.
Se eu não estava no embarcadouro,
O mais velho mandava uma menina,
E ela gritava: “Os nossos voltaram!
Hoje nos vamos fritar linguado”.

O menino alto tinha olhos cinzentos,
E era seis meses mais novo que eu.
Ele me trouxe rosas brancas,
Rosas brancas de noz moscada,
E perguntou-me, breve: “Posso
Junto contigo sentar nas pedras?”
Eu ria: “Para que essas rosas?
Só espetam com força!” - “Então, pois, -
Respondeu, - o que eu faço,
Se eu tanto assim te adoro?”
Eu fiquei ofendida: “Seu bobo! -
Eu perguntei, - Você é um príncipe?”
Este era um menino de olhos cinzentos,
E era seis meses mais novo que eu.
“Eu quero casar-me contigo, -
Disse, - logo eu serei adulto
E irei com você para o norte...”
Chorou o menino alto,
Porque eu não queria
Nem rosas, nem ir para o norte.

Bem mal eu o consolava:
“Pense, eu serei rainha,
Porque eu teria um marido destes?”
“Pois então vou tornar-me um monge, -
Disse ele, - aqui em Quersones.”
“Não, não faça isso: os monges
Só fazem uma coisa, eles morrem.
Toda vez que vou lá – estão enterrando,
E os outros, você sabe, não choram”.
Sem despedir-se partiu o menino,
Levou as rosas de noz-moscada,
E eu deixei ele ir embora,
Não disse a ele: “Fique comigo”.
Da separação a dor secreta
Gemeu como a gaivota branca
Sobre a cinza estepe de absinto,
Sobre a vazia, morta Corsunha.

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