HA CEBEP | NA SEVER | PARA O NORTE | TO THE NORTH

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Bem junto ao Mar II - Anna Akhmatova

Enseadas cortavam a costa baixa,
Sol esfumaçado afundou-se no mar,
Uma cigana saiu da gruta,
Ela chamou a mim com o dedo:
“Porque, beldade, anda descalça?
Logo vai ser alegre e rica.
Um visitante nobre espere antes da Páscoa,
Um visitante nobre você irá saudar;
Nem com amor, nem com a sua beleza, -
Só com uma canção irá atraí-lo”.
Eu entreguei-lhe uma corrente
E do batismo a cruzinha de ouro.
Pensava, alegre: “Eis ele, querido,
Sobre si a primeira notícia deu-me”.

Mas, irrequieta, eu deixei de amar
Todas as minhas enseadas e grutas;
Nos juncos as víboras não espantava,
Para a janta siris não trazia,
Mas ia andando barranco sulino abaixo,
Para além dos vinhedos, à pedreira, -
Não era breve pra lá o caminho.
E muitas vezes ocorria que a dona
Dum sítio novo pra mim acenava,
Gritava de longe: “Porque cá não entra?
Dizem todos aqui – você traz a ventura”.
Eu respondia: “Só trazem ventura
As ferraduras e a lua nova,
Se da direita olhar nos seus olhos”.
Eu não gostava de entrar nos quartos.

Sopravam do leste os ventos secos,
Caíam do céu estrelas graúdas,
Na igreja de baixo celebravam Te-Deum
Pelos marujos que partem pro mar,
E na enseada entravam medusas,
Como estrelas, caídas de noite,
Fundo na água elas azulavam.
Como os grous gruíam no céu,
Como, inquietas, cricrilavam cigarras,
Como mulher do soldado cantava,
Tudo eu lembrava com ouvido sensível,
Só que a tal canção não sabia,
Pra que comigo o príncipe fique.
Uma mulher começou a vir me nos sonhos,
Com estreitos braceletes, vestido curto,
Com gaita branca nas mãos geladas.
Senta-se, calma, e só me olha,
E sobre a minha tristeza não fala,
E sobre a dela tristeza não conta,
Só com carinho me afaga o ombro.
Como vai o meu príncipe reconhecer-me,
Será que lembra dos meus sinais?
Quem vai apontar-lhe a velha casa?
A nossa casa é longe da estrada.

Inverno chuvoso sucedeu ao outono,
No quarto branco entrava o vento,
A hera oscilava no muro da casa.
Pro quintal entravam cachorros alheios,
Na minha janela até a aurora uivavam.
Tempo difícil pro coração foi aquele.
Eu sussurrava, pra porta olhando:
“Deus, sabiamente reinar nos iremos,
Construir sobre o mar excelentes igrejas
E altos faróis construir nos iremos.
Nos iremos poupar a água e a terra
E não vamos a ninguém ofender.

Marcadores: , ,