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quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Bem junto ao Mar IV - Anna Akhmatova

O sol deitou-se no fundo do poço,
Escolopendras se aqueciam nas pedras,
O cardo-a-correr saía correndo,
Fazendo caretas igual um palhaço corcunda,
E o céu, que voava bem alto,
Como o manto da Virgem azulava, -
Ele antes assim nunca fora.
Leves barcos metade do dia brincaram,
Ociosos, juntaram-se muitos, brancos,
Na bateria do Constantino, -
Decerto, lhes era favorável o vento.
Devagar andei pela enseada, até o cabo,
Até os negros, afiados, quebrados penhascos,
Na maré os cobria espuma clara,
Eu só a nova canção repetia.
Sabia eu, com quem quer que esteja,
O príncipe ouve a voz, confuso, -
Por causa disso, cada palavra
Como presente de deus me era querida.
E a primeira escuna não ia – voava,
Uma segunda já alcançava a primeira,
Todas as outras bem pouco se viam.

Como deitei na praia – não lembro,
Como dormi então – não entendo,
Mas acordei eu e vejo: uma vela
Perto ondeia. E na minha frente,
Quase até a cintura na límpida água,
Vasculha com as mãos um velho enorme
As fundas fendas das rochas costeiras,
Com voz rouquenha chama ajuda.
Uma oração eu fui ler em voz alta,
Como em pequena me haviam ensinado,
Que eu não sonhe com nada terrível,
Que nada de mal aconteça em casa.
Mal eu falei: “Ò anjo da Guarda!” -
Vejo – nas mãos do velho algo branco,
E o meu coração congelou-se...
Carregou o marujo aquele que estava
Na mais alegre, alada escuna,
E o deitou nas pedras escuras.

Por muito tempo eu crer não ousava,
Para acordar mordia os dedos:
Príncipe meu, carinhoso e moreno
Estava estendido, pro céu olhava.
Mais verdes que o mar eram estes olhos
E mais escuros que os nossos ciprestes, -
Vi como eles se apagaram...
Seria melhor se nascesse eu cega.
Ele gemeu e gritou baixinho:
“Andorinha, andorinha, isso dói-me tanto!”
Decerto, tomou-me por uma ave.

Ao entardecer eu voltei para casa.
Não havia ruídos no quarto escuro,
Na lamparina do ícone tinha
Uma chama alta, carmesim e estreita.
“O príncipe seu ainda não veio, -
Disse a Lena, ouvindo os passos, -
Até as vésperas eu esperei-o
E crianças mandei no embarcadouro”.
“Irmã, ele nunca virá buscar-me,
Ele jamais voltará, Leninha.
O meu príncipe hoje morreu”.
Por muito tempo ela benzeu-se;
Pra parede toda virada, calada.
Eu sabia que Lena chorava.
Ouvi – cantavam na missa do príncipe:
“Jesus ressuscita, retorna da morte”, -
E com uma luz indizível brilhava
A igreja redonda.

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