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sábado, 4 de outubro de 2008

Além do Amanhecer

...Como eles eram despreocupados...
Eles ouviram sobre a dor e o mal – mas isso não tinha nenhuma relação com eles, não é verdade? Isso estava em algum lugar lá nas Terras Mortais, onde ainda não estão erradicados os seguidores de Melkor, onde se escondem os maiar que foram discípulos dele. Eles – que amavam e criavam, belos e despreocupados – nada tinham a ver com isso.
A rivalidade entre Fëanáro e Nolofinwë, pequenas zombarias com os excessivamente pensativos vanyar e volúveis demais teleri, desejo de poder de Artanis... Isso desagradava a alguns, mas não havia nada em comum com o Mal aqui, sim? O Mal – monstruoso, negro e corcunda, repugnante quanto por dentro, tanto por fora; se o Mal aparecer aqui, em Valinor, - o que por si só já é inimaginável – pode ser que os teleri bobearão, pode ser que os vanyar, que habitam ao lado dos Valar, não o verão, mas os noldor, tão sábios e tão pouco negnigentes, conseguirão reconhecer o Mal logo e com toda a certeza!
Assim dizia Melkor, liberado do cativeiro – e, possivelmente, sorria consigo mesmo.
Quão ingênuos eles eram...
Até mesmo então, na praça de Tirion, onde na luz tremula das tochas triplicava-se a sombra de Fëanáro – até mesmo então muitos pensavam que o Mal é algo separado deles; aquilo que é possível alcançar, agarrar pelos chifres e fazer curvar-se, arrancar a cabeça num único golpe... E eles estavam decididos a fazer isso.
E somente nos píeres de Alqualondë, esfriando do combate sangrento, eles compreenderam que o Mal permaneceu com eles sempre, desde o início das vidas deles – dormitava nos corações como uma semente na terra. E surgiu aquele que regou cuidadosamente essa sementinha, fertilizou generosamente os brotos do orgulho com lisonjas, afofou com esmero a terra nas raízes da ira, fez suportes para os galhos da inveja, nos quais já amadureciam com tudo os frutos vermelho-enegrecidos do mal.
...E quando eles tomaram consciência do mal, tão próximo e inevitável – foram tomados de desespero. Alguns supunham, como antes, que o mal se eliminará se matarem aquele que o trouxe ao mundo. Destruir Melkor – e milagrosamente se esquecerá o pecado impossível de lava de Alqualondë, se erguerão dos túmulos os mortos, perdoarão os vivos... E outros falaram para si mesmos: o mal – somos nos. Não há perdão nem volta para nos, nos resta somente lutar aqui até o fim, e pagar com a própria morte as alheiras. Somente o estranho, divertido Finarato no fundo do coração julgava que a salvação é possível para todos. Até mesmo para Fëanor. Pode ser que até mesmo para Melkor. A piedade do Único deve ser tão infinita quanto o poder Dele, e se é possível redimir-se do mal, Ele indicará como.
Se o orgulho, a inveja e a ira levaram os noldor à Queda – então, deve-se abandonar o orgulho, a inveja e a ira.
Por isso ele não hesitou nem por um instante quando Fingon compartilhou a intenção dele – ir para as Montanhas de Ferro, resgatar Maedhros. Fingon insistia em que fará isso sozinho. Mas alguém deveria esperá-lo no local combinado com um pequeno grupo de homens, cavalos, provisões... Ele não poderia pedir isso aos filhos de Fëanáro – o pai não permitiria o filho ir ao acampamento dele e manter com eles quaisquer negócios comuns. Ele não poderia pedir isso nem mesmo ao próprio irmão de sangue: Turgon desejava morte a Maedhros, sem poder perdoar a perda da esposa dele aos descendentes de Fëanáro. E Fingon foi até os filhos e a filha de Arafinwë.
Vencendo o orgulho, o ódio e a inveja, Fingon salvou Maedhros. Salvou todo o povo dos noldor de rachas e inimizade.
Finrod viu nisso um sinal.
E depois houve um outro sinal – quando, vagando por Ossiriand, ele viu as fogueiras nas encostas das Montanhas Azuis e ouviu o canto do povo sobre o qual antes soube somente vagamente, das indiretas de Melkor e histórias contidas dos Valar.
Balan dizia: quando o sol nasceu, houve uma cisão entre o povo dos homens. Muitos estavam descontentes com a vida antiga, e a casa de Balan era daqueles que ainda ouviam a Voz que vinha do Escuro. Escondiam isso, até mesmo os próprios ouvintes temiam isso, mas na casa de Balan, desde os dias antigos, acreditavam nos deuses velhos e não acreditavam no novo. E então um dia Balan ouviu a Voz. Chegou a hora, disse Ele. Amanhã vocês receberão um sinal, e aqueles que crerem se salvarão da Escuridão. Eles atravessarão três cadeias de montanhas – e chegarão à terra que jorra com leite e mel. Então eles deverão fazer uma grande festa e fazer sacrifícios de pão e vinho aos deuses velhos. E depois disso, é necessário fazer uma harpa e dormir sem deixar vigias. Aquele que chegar e tocar a harpa – aquele deverá ser seguido. Ele indicará o caminho da salvação.
E aqueles que adoravam os deuses velhos e não aceitavam o deus novo, fizeram o beor ao antepassado de Balan e o seguiram. No caminho, juntaram-se a eles mais dois povos: os criadores de cavalos de cabelos dourados e sombrios, de olhos um pouco alongados, habitantes da floresta. Mas os habitantes das montanhas, que fizeram o beor, ainda eram os primeiros da marcha. Nas suas fileiras, havia descontentamento, pois o caminho passava por terras perigosas – e por terras belas. Tanto aqui quanto lá eles perdiam homens. Nas terras perigosas, os homens morriam nos combates com orcs, com homens selvagens e trolls, uma vez, por engano – até mesmo com anões. Nas terras belas, os homens se separavam e ficavam.
As terras além das Montanhas Azuis eram belas, e a maior parte do povo de Beor disse: basta! Aqui há lugares maravilhosos, há muitas pastagens boas e terra para arar – para que fazer mais uma difícil travessia? Quantos mais eles perderão nessas neves?
E Balan – então ainda jovem – disse que atravessará as montanhas tal como foi profetizado – até mesmo se ele tiver que ir sozinho.
Ele não teve – mil homens se prontificou a participar da travessia. Os anões, encontrados no caminho para o norte, mostraram a passagem. E quando eles atravessaram a passagem nas montanhas – os homens viram Beleriand nos raios dourados do sol. Eles desceram para o vale e acenderam fogueiras, fizeram sacrifícios de pão e vinho, cantaram e dançaram, alegrando-se com a realização da profecia e o fim da longa jornada...
Alguém prendeu num arco mais nove cordas – e fez a harpa. Ela ficou na elevação que estava coberta com a capa de alguém, como que deixada de propósito. Finrod a pegou ainda sem saber que era exatamente assim.
Do que vocês fugiram? – perguntava ele depois, mas nem Balan, nem os outros respondiam.
Mais um povo caído procurava o caminho à salvação, olhando para Finrod com esperança. E ele – não conhecia este caminho. Ele tentava encontrar as pegadas no passado – mas eles ocultavam o passado deles.
E então um homem o procurou. Homem, que ele conhecera quando criança e jovem. Perdidamente apaixonado pela parenta dele. Ele era, para Finrod, uma espécie de Fëanáro entre os homens. Mas Fëanáro não podia mudar a sua forma de pensar e agir – é nisso que está aquilo que foi chamado de destino dos noldor. Os elfos mudam devagar demais. Os homens estão livres do destino por força da capacidade de mudar rapidamente. No fundo, Finrod invejava essa capacidade – sabendo que a inveja é um sentimento indigno, mas sem poder eliminá-la por inteiro.
Por meio de Beren e da Silmaril poderia vir a salvação – tal como por meio de Fëanáro e da Silmaril veio o mal. Era isso que Finrod buscava nele. Era isso que desejava.
- Eu não sei, - sussurrou Beren, interrompendo a rápida, mas exaustiva troca de pensamentos. – Eu não sei, Nom, se conseguirei. Mas eu vou tentar, até conseguir o que eu quero ou até virar picadinho de carne. Sabe... Você me revelou...
- Algo que tinha vergonha de admitir para si mesmo? Sim. Honestidade em troca da honestidade. De tempos em tempos, eu te invejo, Beren. Invejo todos os homens. Quando eu tenho raiva de vocês, sou tomado por pensamentos semelhantes aos dos muitos outros eldar: que vocês são o povo irremediavelmente maculado, inferior, bruto, ingrato... E então eu lembro de uma coisa simples: se todo o mal que vocês tiveram que suportar desabasse sobre mim – eu não resistiria. Mais provavelmente, eu pereceria, ou pior – me voltaria para o mal. Não me olhe com tanta surpresa: a medida do mal que um elfo pode permitir no próprio coração e com isso continuar a ser ele mesmo – é muito menor que a vossa. Vocês cedem mais facilmente às tentações – mas o arrependimento também lhes é mais fácil.
- Nom, - suspirou o homem. – Mas você nem é vítima de tentações que às vezes aparecem para os homens. Eu me arrependi vinte vezes de ter desejado te matar – e para você, o pensamento de matar alguém que é melhor nem viria à cabeça!
- Não viria... Mas porque você acha que isso é bom?
Beren até mesmo abriu a boca de surpresa, e Finrod continuou:
- Se os noldor, quando eles brincavam com as espadas, sentissem no coração a tentação de golpear o oponente de verdade, para tirar sangue – eles temeriam essa tentação, e passariam a tratar a diversão deles de forma diferente. Eles sentiriam essa tentação uma vez, outra, e terceira – e aprenderiam a resistir a ela. Mas eles a sentiram somente uma vez – e cederam... A tentação não é pecado, é uma provação. Para não ceder à tentação, é necessário tomar consciência dela na hora certa. Para vencer a Queda, é preciso a descobrir em si. Tantas vezes quantas forem necessárias. Assim como você fez hoje. Você nem imagina quão grande é a sua vitória sobre Morgoth hoje. Você o feriu mais gravemente que Fingolfin. Pois aquele feriu somente o corpo dele, e você cortou umas das raízes que, penetrando nas nossas almas, alimentam o poder dele. Nos alimentamos Morgoth, Beren. E somente quando nos pararmos de fazer isso – ele será vencido.

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