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segunda-feira, 30 de junho de 2008

Entre 7 e 11

O meu cachorro foi atropelado. Os meus pais não me informaram sobre isso, disseram: fugiu. Fiquei procurando-o durante vários meses. Sonhava que encontrava alguém com o cachorro na rua, mas não podia correr atrás dele ou chamá-lo. Tempos depois, um coleguinha caridoso me contou, e suponho ter sido a última a saber.

Na escola de verão, num quarto fechado. Escuro. Umas dez crianças de idades diversas, história sobre um gato assassino com dentes de sabre.

Uns sete ou oito anos, madrugada, primeiro de janeiro. Apartamento de um coleguinha. Eu, ele, o irmão mais velho dele. Os pais – de todos – estão fora, comemorando: a virada de ano. Nos estamos dentro, comemorando: a ausência deles.
A noite em que eu soube a verdade sobre o cachorro.
Começamos quebrando um robô de brinquedo. Ligeiro pânico. Depois, a idéia genial: quebrá-lo em pedaços e jogar na privada. Dito e feito, e feito com muito gosto. A privada não entupiu, e a mãe dele nunca chegou a descobrir o paradeiro do brinquedo.
Já estávamos cansados quando começamos o confronto de gerações. O irmão mais velho embaixo do sofá, do lado do aquecedor, nos dois no canto aposto do quarto, atrás de uma barricada de brinquedos. Preguiçosamente, atiramos objetos uns nos outros. Isso revelou-se cansativo demais, e passamos à troca de insultos e comentários aleatórios. O irmão mais velho convidou-me a mudar de lado e me juntar a ele em baixo do sofá. Respondi que era quente demais. Ele se ofereceu para tirar as minhas roupas.
Nunca mais voltei para lá.
O mais novo agora é o meu meio-irmão.

Escola, nove anos, melhor amiga. Éramos a dupla do barulho. Além disso, pentelhamos o irmão mais velho dela e ele nos perseguia. Uma vez, estava seguindo a gente e nos nos escondemos em um balanço. Quando duas pessoas estão num balanço, em pé, à uma velocidade alucinante, não tem como parar o brinquedo. Não deu outra, caí. Milagrosamente, fiquei cinco minutos sem tentar me levantar, provavelmente por instinto.

Escola, nove anos. Um moleque da sala se apaixonou por mim. Gordo, feio, besta. Me convidou para dançar numa festa. Não havia comparecido em nenhum dos ensaios, e foi um vexame monstruoso. Depois me presenteou com uns brincos de bijuteria: confesso que fiquei orgulhosa, nenhuma das garotas ganhava coisas assim dos meninos: definitivamente éramos crianças normais. Os enterrei em baixo de uma árvore porque tinha medo de guardar em casa e depois nunca mais consegui achar, e nem tentei achar.

Nove anos, Senhor dos Anéis. Ouvi a minha mãe comentar que quando ela estudava na faculdade, uma amiga dela quis jogar RPG inspirado no Senhor dos Anéis, e ela convenceu a amiga a não fazer isso. Argumentos. Nunca tive coragem de contar para os pais que gostava do livro. Omissão que virou um Himalaia.

Escola, dez anos. Escrevia versos. Um dia, uma amiga traiçoeiramente entregou a caderneta de versos para a professora. Esta declamou as melhores passagens em sala, com direito à comentários.

Dez anos, amigos. Uma noite, assaltamos um armazém. Enquanto eu distraía o guarda com papo furado, os dois outros pivetes levaram uma caixa de chiclete. Corremos. Ficamos uma semana mascando, e ainda vendemos alguns no colégio.

Onze anos, o pedófilo. Uma rua deserta, duas horas da tarde. “Tem um bicho nas suas costas”. “Cade?” “Espera, vou tirar, não se mexe”. “Ops, caiu... Fica quietinha, está no short. Já tiro ele!” “Deixa, não tem problema, tchau!!!” Moral: o bastardo quase passou a mão na minha bunda.

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